Protestante: Hoje porém tanto os luteranos quanto os calvinistas abraçaram a doutrina de Zwinglio.
Ortodoxo: A verdade obriga-nos a expor como e porque no terreno do calvinismo esta assimilação foi patrocinada pelo próprio Calvino, o qual no entanto, internamente e honestamente, abominava a teoria zwingliana e até parece ter morrido angustiado após a aprovação precipitada deste pacto.
Protestante: Se como dizes tu, Calvino abominava a teoria alegórica ou simbólica por que raios teria aconselhado seus pupilos a subscreverem-na???
Ortodoxo: Para compreender a atitude de Calvino e Bucer devemos considerar antes de tudo as circunstâncias externas do protestantismo. Desde 1540 com a adesão de alguns principados alemães cessou a reforma protestante de ganhar terreno na Europa e de expandir-se. O último grande pais conquistado havia sido a Noruega (1537). Desde então o protestantismo por assim dizer 'estacionou'.
Para além disso desde 1540 a igreja romana contava com o apoio da 'Companhia de Jesus' e desde 1545 achava-se aberto o Concílio de Trento. Além disto os príncipes protestantes haviam sido esmagados pelo Imperador e o Interim de Augsburgo havia sido aprovado em 1548.
Internamente achava-se já o protestantismo cindido entre as correntes luterana, calvinista, zwingliana, anabatista e unitária, e já os controversistas romanos principiavam a explorar este estado de caos com relativo sucesso.
Há trinta anos antes não poucos acreditavam que a nova religião iria suplantar e substituir por completo a antiga e Lutero, morto em 1546, chegara a profetizar o fim do papado. Portanto, para os triunfalistas protestantes a recuperação da Igreja romana, na última década equivalia a suprema desgraça. O Aquiles reformado tinha calcanhares vulneráveis...
Para muitos naquele momento era crucial que a pseudo reforma apresentasse ao menos certa aparência de UNIFORMIDADE ou coesão doutrinal. A ponto de atrair os incautos e imobilizar a reação papista, cujos paladinos principiavam a denunciar os perniciosos resultados do livre exame e a confusão doutrinal reinante nos domínios do protestantismo nascente. Para os lideres protestantes caminhar em direção da Unidade era questão de vida ou morte.
Urgia silenciar a respeito das 'minudências' e sacrificar certas 'verdades' de 'menor calado' em favor certa uniformidade. Pois já os vacilantes começavam a sentir saudades do 'cativeiro do Egito' e a desertar.
A delicadeza da conjuntura exigia a formulação de pactos e acordos doutrinais em que ambas as partes envolvidas abrissem mão de alguma coisa em termos de 'artigos de fé'. Nos domínios da Reforma protestante, cindida em diversas igrejas rivais (cada uma com sua verdadezinha), a Revelação divina tornou-se logo objeto de acordos diplomáticos, tal e qual a política secular. E os bíblicos negociavam doutrinas como as nações negociam fronteiras. E costuravam suas colchas de retalhos teológicas.
Protestante: No fim das contas que foi que aconteceu?
Ortodoxo: Ao contrário do fanático e obstinado Lutero; Calvino, Bucer e Melanchton esforçaram-se inutilmente para oferecer aos zwinglianos uma fórmula de fé racional e aceitável, indo até onde era possível. Dúzias de símbolos foram confeccionados até as fronteiras da ortodoxia e os confins da ambiguidade tudo com o propósito de contenta-los.
Os zwinglianos no entanto, tal e qual Lutero, permaneciam fixos e irredutíveis a ponto de acusar seus aliados espiritualistas ou virtualistas de cumplicidade para com a hartolatria e o papado. Extremistas que eram permaneciam alheios a qualquer tentativa de negociação... Presença real eles não aceitavam nem sob uma forma 'atenuada' se me é permitido expressar-me assim.
A situação era de tal modo angustiosa que Bucer, tendo achado por bem exilar-se na Inglaterra envolveu-se de imediato numa amarga controvérsia com Pietro Mártir enquanto Melanchton definhava e implorava aos céus o fim de seus amargurados dias (Esta monstruosa crônica pode ser lida tanto em Peucer, quanto em Hospinianus e Chytraeus resumida na 'História das variações protestantes' de Bossuet)
Tudo graças a controvérsia suscitada pelo Sacramento da Eucaristia!
Urgia por termo a tão escandalosa situação antes que a odiada contra reforma avançasse ainda mais e comprometesse a própria existência de um protestantismo fragilizado por tantas divisões.
Esgotadas todas as possibilidades Calvino teve de respirar fundo e pensar friamente, uma vez que já havia mandado torturar e supliciar Jacques Gruet (1547) lenha verde e enfrentado os senadores genebrinos. A par de tudo isto tinha de lidar também com os transfugas italianos, em sua maior parte unitários, mortalistas e libertinos, com os luteranos ortodoxos - igualmente irredutíveis - e enfim com os anabatistas.
Não, seu olhar perscrutador não o enganava. Ou os protestantes superavam aquele miserável estado ou seriam esmagados pelo rolo compressor do papado.
Calvino de sua parte, já havia proclamado o predestinacionismo como dogma fundamental do Cristianismo genebrino, produzindo; consequentemente, outro grande mal estar entre os demais membros da confederação. E malquistando-se igualmente com os de Lausanne...
Tal o 'pão dos filhos' para ele como a 'Sola fide' para Lutero e o simbolismo para os de Zurich.
Foram dias terríveis para a reformação suíça... Duplamente cindida a respeito da Eucaristia e a Liberdade...
Alguns no entanto conceberam um proposta 'genial': Os de Lausanne, Zurich e demais cidades (zwinglianos) cessariam de atacar o 'dogma horrendo' de Calvino... Enquanto os de Genebra, em troca, receberiam o simbolismo zwingliano, ao menos enquanto opinião tolerável ou possibilidade. Ficando proibida qualquer tipo de controvérsia a respeito de tais pontos.
Deste artificial e astucioso pacto foi que surgiu o reformismo suíço híbrido e disforme quanto a Eucaristia e a Liberdade ou seja a um tempo zwingliano ou simbolista e a outro calvinista ou predestina-
cionista.
Para tanto Calvino e Bullinger assinaram a fórmula do consenso Tigurinus em 1549!!!
Para alguns a assinatura deste pacto significa que Calvino abandonou a teoria da presença real/virtual. Embora a História certifique que sua adesão foi firmada a contragosto e tendo em vista as críticas dos adversários, e as aparências...
Apesar disso a teoria original ou 'ortodoxa' (sic) da 'presença virtual' tem sido mantida ou resgatada através dos séculos por certos conventículos de teólogos e fiéis mais zelosos, e suportado os mesmos revezes que a teoria blasfema da predestinação.
Outro passo de suma importância nesta direção - zwingliana - foi dado (muito depois) pela Confissão de Westminster, quando a versão calvinista foi anexada ou associada a ideia de apropriação dos méritos do Senhor pela FÉ: "... estão espiritual e realmente presentes a fé dos que creem da ordenança." No entanto a partícula 'realmente' permanece e compromete uma assimilação cabal do simbolismo zwingliano.
No frigir dos ovos porém - quanto aos EUAN e Brasil - a teologia eucarística de Bucer e Calvino (muito mais próxima da tradição patrística) diluiu-se quase que por completo na doutrina zwingliana da NÃO presença ou do simbolismo crasso, a qual veio a tornar-se preponderante mesmo entre os calvinistas como foi demonstrado pelas pesquisas de Kleim. Até onde saibamos, no entanto, ela não engendrou nova seita ou grupo como no âmbito do luteranismo.
Protestante: Ao menos este consenso trouxe paz e unidade as igrejas protestantes?
Ortodoxo: Antes fosse... No entanto mal fora assinado e, como já dissemos, estourou a controvérsia do outro lado da mancha.
Protestante: De que forma?
Ortodoxo: Mal Bucer acabará de por seus pés na Inglaterra ( como professor de alta teologia em Cambridge...) seu colega de Oxford, Pietro Martir de Vermigli, após ter se envolvido numa dura controvérsia (com os papistas) a respeito da presença real, teve a má inspiração de pedir-lhe ajuda.
Todavia como Bucer não partilhava da opinião zwingliana (Escreveu ao amigo Italiano "Não pode haver ceia do Senhor sem o Senhor.") sustentada por Pietro declinou, alegando que "A exposição de tais divergências não auxiliara em nada." a causa da Reforma, acrescentando que não estava: "Obrigado a apresentar-me como partidário do papa, de Lutero ou de Zwinglio a respeito desta questão." e arrematando: "A religião dever servir para edificar o povo no amor e na fé e não para viver criticando a tudo e a todos..."
Além do mais, como lider experimentado que era, ele bem sabia que qualquer controvérsia a respeito da Eucaristia bastaria para cobrir o protestantismo de vergonha expondo-he para o calcanhar aquileu..
Protestante: É parece que na Inglaterra as coisas iam mal...
Ortodoxo: Na Inglaterra somente???
Protestante: Tudo bem espertalhão, onde mais?
Ortodoxo: Todo 'Capitolo 'quarto da História da Reforma na Itália de Th MacCrie é dedicado a consternação produzida pela controvérsia eucarística na recém surgida comunidade protestante italiana.
Nada mais elucidativo do que ler suas primeiras palavras:
"A primeira questão diz respeito a disputa que desgraçadamente surgiu entre os protestantes italianos e em virtude da qual ficaram divididos entre si a ponto de tornarem-se vulneráveis frente ao inimigo comum.... e ela dizia respeito a presença do Cristo no Sacramento da ceia." p 66
E um trecho de uma das cartas escritas por M Bucer a um neófito italiano:
"Lamento muito meu bom amigo, que Satanas tenha causado um grande prejuízo a religião principiando por meter entre vós a divisão a respeito da questão da Eucaristia. Acaso semelhante notícia não haveria de deixar-me preocupado uma vez que por experiência tenho testemunhado os danos que tem produzido em nossa igreja?.... O deus que invocamos DEUS NÃO É DE DIVISÕES." Id ibd
Apesar dos apelos de Bucer no entanto a questão tornou-se de primeira ordem entre os protestantes de Veneza devido a sua proximidade com os de Wittemberg. Aos quais Baldassari Altieri envia o seguinte relato:
"Há uma outra questão que neste dias faz pairar sobre nossa igreja a ameaça de ruína iminente. A questão pertinente a ceia do Senhor e suscitada primeiramente na Germânia, eis que agora chegou até nós. E quantos distúrbios não tem causado? Quantas dissenções não tem produzido?... E acaso não constitui ela grave obstáculo a propagação da glória de Cristo???" id p 67
Os venezianos em sua maioria eram pela opinião de Lutero i é favoráveis a presença real. No entanto, a semelhança de Bucer, inclinavam-se a tolerar aqueles que acreditavam de modo diverso a respeito de um tema assim tão profundo e aspiravam viver em paz com os zwinglianos.
O 'inspirado', 'iluminado' e 'divino' Lutero no entanto - e quem o acusa e censura é o Pr MacCrie - aconselhou seus seguidores venezianos a não se deixarem levar por falsas esperanças de conciliação com os 'fanáticos' e 'sacramentários' da Suíça, e declarou em alto e bom som que a doutrina romana da transubstanciação era bem mais tolerável do que o erro abominável de Zwinglio.
Por fim, no ano seguinte enviou uma outra carta aos de Veneza em que apresentava Zwinglio e Oecolampadius como "Mestres venenosos e falsos profetas." "Os quais não limitavam-se a disputar sob influxo do erro mas resistiam propositalmente a verdade porque eram instigados por Satanas." Id 69
Isto quanto a Itália.
No entanto mesmo após o Tigurinos houve paz entre os Suíços.
Protestante: O amigo esta mesmo certo disto?
Ortodoxo: Como não se um ano (1556) após Jean Garnier ter sido corrido por Marbach de Strasbourg - sob a acusação de calvinismo - foi a vez do já citado Pietro Martir de Virmigli ser solenemente advertido de que sua presença não seria bem vinda na cidade devido a suas opiniões a respeito do Sacramento??? Só lhe restando retirar-se com o rabo entre as pernas...
Passados três anos - em 1560 - o mesmo Marbach, convidou todos os teólogos e pastores da cidade a assinarem a confissão de Augsburgo.
No entanto como o sacramentário Zanchius se encontrasse por lá e resistisse Marbach mandou editar e distribuir a seus paroquianos a 'De praesentia corporis Christi em cœno Domini.'' de Heshusius da qual fazia parte um violento
prefácio denunciando o eleitor Frederico III do Palatinado e
seus teólogos.
Zanchius a seu tempo rompeu o silêncio e publicou tanto suas opiniões sobre a Eucaristia quanto sobre a Predestinação associando as teorias de Zwinglio e Calvino... Segundo o modelo do Tigurinus.
Desde então houve guerra aberta entre Zanchius e Marbach, o qual de pronto classificou seus ensinamentos como heréticos, sacrílegos e blasfemos. Era como se Lutero tivesse reencarnado naquele homem!
Devido ao grave escândalo produzido pela disputa foram os dois reformadores persuadidos a tomar por árbitro a Simon Sulzer de Basel.
Simon Sulzer, pupilo de Bucer e Capiton, já havia ele mesmo sido expulso de Berna pelos zwinglianos cerca de 1548 justamente por ter ousado defender a doutrina Luterana da presença real e manter a prática de penitência sacramental.
Após a Morte de Myconius no entanto veio a ser eleito antistete de Basel, para onde havia se retirado 'respirando vingança' contra seus correligionários.
Alguns anos antes ele havia ousado declarar que "Judeus, turcos, papistas e zwinglianos; são todos inimigos de Deus..." atraindo contra si o ódio de Bullinger...
Foi este homem polêmico que elaborou outro Consenso de Strasbourg (1561) pelo qual Marbach e Zanchius foram reconciliados e a disputa encerrada.
Como no entanto o teor deste consenso pendesse para o luteranismo, afastando-se tanto do zwinglianismo quanto do calvinismo escreveu Bullinger a Calvino solicitando que este interferisse.
Diante disto, a pedido de seu antigo protetor e mestre Zanchius não só retratou-se e fez penitência como retirou-se de Strasbourg.
Posteriormente Bullinger e Beza trataram de apresentar o consenso de Strasbourg e a confissão de Basel como obras heréticas pelo simples fato de que chocavam-se com as opiniões deles... TRATAVA-SE ADEMAIS DE UM ANTI TIGURINUS OU DE UM TIGURINUS INVERTIDO.
CONCLUSÃO: Nem na Inglaterra, nem na Itália e tampouco na Suíça houve paz e concórdia entre os reformados mesmo após a assinatura do Tigurinus.
Em todos aqueles países centenas ou milhares de sábios, estudavam as mesmas Escrituras buscando delas extrair a verdade plena. Mas, apesar de sua imensa boa fé e esforço, não puderam chegar a qualquer acordo a respeito de um tema tão importante quanto o significado do Sacramento. Em que uns viam apenas pão e vinho enquanto uns viam a presença real do Deus Todo poderoso, em que pese a 'clareza' e 'luminosidade' da Escritura...
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