A CONTROVÉRSIA DA LIVRE VONTADE ENTRE OS SUÍÇOS
Em que pese a discordância existente entre Lutero e Zwinglio no que diz respeito a Eucaristia é necessário esclarecer que estavam de pleno acordo no que diz respeito a condição da vontade humana e ao fatalismo.
Passemos em revista os testemunhos:
"Mas tendo Adão desejado ser como Deus, morreu, e não só ele mas toda sua descendência. Desde então todos os homens encontram-se mortos e ninguém pode devolver-lhes a vida, só o espírito que é Deus de Deus pode ergue-los do sono da morte."
& "Deus não pode conhecer derrota, logo quando chama algum coração este deve vir."
& também: "Quando Paulo escreve: 'A FÉ VEM PELO OUVIR' não podemos admitir que o ouvir seja suficiente, de modo a excluir a coerção interna do espirito santo."
Julgo que esta citação seja suficiente caso queiramos compreender bem o sentido da reforma protestante. Basta dizer que 'aqui' nem mesmo as palavras do 'divino Paulo' são suficientes...
& por fim: "Deus é o primeiro princípio do pecado, assim sendo o homem peca por divina necessidade."
Tais os ensinamentos do Dr Zwinglio.
Sucede no entanto que o número de humanistas existentes na Suíça chegava a ser superior a quanto deles houvesse nas Alemanhas bastando-nos dizer que o próprio Erasmo vivia naquele país e que ali pontificava ou melhor imperava; e com ele sua côrte não menos esplêndida que a do imperador...
Disto sabia muito bem o nosso homem, alias sobrinho de humanista e por ele instruído nas artes liberais. E também sabia o quanto os humanistas detestavam não só a teoria gracista da predestinação mas mesmo o semi agostinianismo canonizado pela igreja romana, e que inclinavam-se em massa ao semi pelagianismo pelo simples fato de contemplar as exigências da razão... Sabia por fim que da amarga polêmica travada por Lutero e Erasmo (1524 - 1526) resultara a ruptura e o afastamento de um grande número deles...
Mais espertou e mais cauteloso do que Lutero, Zwinglio julgou por bem aparar as arestas e não insistir demasiadamente sobre o assunto de modo a converte-lo num novo dogma. Aqui a estratégia exigia certa dose de flexibilidade. Diante disto parte dos humanistas suíços pode engolir sem maiores problemas o anzol da reforma...
Quanto a seu amigo Johann Oecolampadius, pupilo de Erasmo, é sabido que costumava repetir: "Nossa salvação vem de Deus e nossa perdição de nós mesmos." ignorando supinamente os ensinamentos extremistas de Wicliff, Lutero e Calvino.
Mortos Zwinglio e Oecolampadius foi a tradição legada por ambos rigorosamente mantida por Heinrich Bullinger, dentre cujos colaboradores encontramos Theodor Bibliander e konrad Pellikan, este, por sinal, pupilo de Erasmo.
Entrementes Calvino tendo dominado os genebrinos iniciava suas expurgações e corria com Curione, Gentile, Castellio, etc da 'Santa Jerusalém'...
E dando seguimento a seus sinistros planos escrevia 'igrejas' vizinhas - de Lausanne, Berna, Basiléia, Zurich, etc - aconselhando seus lideres a encadear e supliciar os adversários da predestinação.
Todavia, para o azar seu, as demais 'igrejas' - herdeiras da tradição zwingliana - resistiam, acrescentando não ser lícito perseguir a quem quer que fosse pelo simples fato de emitir opiniões teológicas a respeito de assuntos controvertidos e que não faziam parte da doutrina divinamente revelada...
Noutras palavras, o que era o 'pão dos filhos' para Lutero, Calvino, Zanchius, Turretini... Para os de Berna, Lausanne, Basiléia, Strasbourg, etc não passava de especulação teológica...
As próprias Confissões elaboradas por Bullinger referem-se apenas ao decreto de eleição dos justos sem sequer aludir ao decreto de reprovação ou atribui-lo positivamente a Deus a exemplo dos genebrinos...
No entanto tais igrejas eram universalmente detestadas por terem abraçado a doutrina eucarística de Zwinglio e encontravam-se separadas de toda Cristandade enquanto Calvino não admitia ou consentia que a doutrina da predestinação fosse posta em duvida, menosprezada ou encarada como coisa de segunda classe. Enquanto isto os papistas tiravam franco proveito da situação apresentando as igrejas da Suíça como divididas...
Tais os motivos que levaram Bullinger e Calvino a assinar o pacto Tigurino em 1549. Pacto de que extraímos os seguintes fragmentos:
"Consideramos o entendimento literal da expressão 'Isto é meu corpo' como absurdo..." Artg XXII
"Quando Cristo diz: "Tomai e comei este é meu corpo" devemos compreende-lo em sentido figurado." Artg XXIII
Justamente por estarem em franca oposição face a doutrina da presença real/virtual proposta por Calvino durante mais de uma década e ainda após a assinatura deste pacto...
No frigir dos ovos tudo não passou duma negociata em que uma parte oferecia a 'verdade' e a outra obtinha a permissão para enuncia suas doutrinas, ainda que peculiares.
Afinal os próprios biógrafos e advogados de Calvino assentem que "Ele preferia a teologia de Lutero a de Zwinglio." e que foi constrangido a assinar o acordo coma gente de Zurique devido a considerações de ordem pessoal, política e doutrinal... Assim a afirmação da 'Unidade', o fortalecimento da igreja Suíça e a LIBERDADE PARA ANUNCIAR O PREDESTINACIONISMO AS DEMAIS IGREJAS!!!
Sacrificou Calvino sua consciência as circunstâncias e fez seu rebanho jurar fidelidade a uma doutrina em que ele mesmo não acreditava sinceramente.
No entanto quando os de Genebra apenas insinuaram introduzir no consenso alguns decretos extraídos da Confissão genebrina elaborada por Calvino e, como tais, favoráveis ao predestinacionismo absoluto os de Berna, Laussane e Zurique opuseram-se decididamente.
O próprio Bullinger resistiu-lhe em face e o tirado de Genebra saiu derrotado.
O máximo que os calvinistas obtiveram de Bullinger por meio do Tigurino foi a liberdade de pregar suas teorias em todo pais e não a autorização para introduzi-las na regra de fé ou canoniza-las.
Foi o que levou Calvino na prática a trair o consenso e reafirmar explicitamente a doutrina da presença real virtual em seus últimos dias de vida.
Por outro lado as demais igrejas tornavam-se cada vez mais prudentes e respeitosas na medida em que o poder de Calvino aumentava.
Apesar disto uma aluvião de obras foi editada pelos reformados da Suíça com o intuito de impugnar a doutrina calvinista da predestinação a partir da Bíblia. Assim Giorgio Rioli editou uma "Epistola contra a ímpia doutrina de Francesco Spiera e dos protestantes.", Ochino compos seu "Labirinto", Curione publicou "De amplitude", Socino o "De praedestinatione"...
Foi quando, na era de 1560, estourou uma grande controvérsia envolvendo o erudito Theodor Bibliander, colaborador de Bullinger e professor em Zurich e Pietro Martir de Vermigli, amigo de Calvino e defensor da "Gemina Praedestinatione" legada, segundo ele mesmo dizia: "Pelo ilustre Bispo de Hipona, cuja causa levamos adiante.". Amargurado devido a direção que tais debates e estudos iam tomando, optou Bibliander por resignar de seu posto...
Neste mesmo ano o luterano Johann Marbach saiu a liça contra o calvinista Hieronimus Zanchius que havia escrito um tratado sobre a predestinação enfatizando seu duplo aspecto, inclusive o excludente. Eles também não estavam de acordo a respeito da Eucaristia uma vez que Marbach, luterano ortodoxo, era partidário da consubstanciação...
Aos poucos, no entanto, foi impondo-se mais e mais a opinião de Calvino. Isto por obra e graça de seu sucessor Theodoro de Beza e do cadafalso, muito naturalmente...
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