
"No décimo oitavo ano de Josias, o rei mandou o secretário Safã ben Aslias ben Mesolanos, ao TEMPLO DE JAVÉ, determinando 'Vai ter com o grande padre Hilkias para que ele mande converter as ofertas em barrase o entregue aos empreiteiros e operários que trabalham na restauração do edifício...
Então o grande padre Hilkias disse a Safã 'Eis que descobri o livro da lei divina NESTE TEMPLO."... E o secretário disse ao rei: 'O padre Hilkias deu-me este livro." e Safã poz-se a le-lo.
Ao ouvir as palavras do livro o rei rasgou suas vestes, e disse: MOSTRAI ESTE LIVRO AO POVO PARA QE VEJAM QUE OS PAIS E ANTEPASSADOS NÃO OBEDECERAM SUAS PESCRIÇÕES E NÃO OBSERVARAM TUDO QUANTO ESTÁ ESCRITO NELE...
Ele mandou consultar uma vidente chamada Hulda e ela lhes respondeu: ASSIM DIZ JAVÉ DEUS - ... TUDO QUE ESTA ESCRITO NESTE LIVRO É VERDADE." II Re 22,1
VERSÃO PARALELA:
"No momento em que se retiravam as ofertas dos cofres, o sacerdote hilkias encontrou o livro da lei de Deus dada a Moisés.
Hilkias tomou a palavra e disse ao secretário Safã: "Achei o livro da lei.". Hilkias deu o livro a Safã.
Safã deu o livro ao rei e disse-lhe: "Tudo o que foi confiado a teus servidores, eles o executaram... depois o secretário Safã anunciou ao rei: O sacerdote Hilkias deu-me este livro e começou a le-lo." II Cron. 34,1
Depreende-se desta leitura que por volta do ano 620 a C o rei Josias - em parceria com o grande sacerdote Hilkias - iniciou a ampliação do Templo de Jerusalém.
(Trata-se certamente do templo que fora mandado erguer por seu bisavô Ezequias ou mesmo por seu avoengo Joas, cerca de dois séculos antes e não por Salomão, filho de David.)
Eis senão quando, em meio a movimentação causada com as obras, alguém acaba topando com um rolo 'da lei do Senhor' aparentemente arruinado mas legível e que certamente ali fora escondido por alguém a tempos imemoriais.
Sem delongas o livro é entregue ao pontífice Hilkias, o qual mais rápido ainda comunica seu achamento ao ministro Safã, o qual noticia seu achamento ao rei e ao conselho de estado.
Não devia tratar-se dum escrito muito longo, pois foi logo lido pelo rei; embora contivesse algumas informações desconhecidas a respeito do cerimonial da Páscoa.
O mesmo escrito enfatizava certamente a necessidade de prestar adoração puramente espiritual e isenta de símbolos num único santuário, a saber o de Jerusalém onde se encontrava a arca do pacto, uma espécie de sacrário, que o autor de I Samuel (6,9) chega a identificar ou a confundir com o próprio javé (que ordinariamente costumava a ser confundido com seu anjo ou mensageiro).
Encontra-mo-nos pois diante dum enigma.
Desejando saber qual fosse o tal 'livro da lei do Senhor' encontrado nos tempos de Josias.
II) O mistério do 'Livro da lei'...
Tendo em vista elucidar este grave problema compôs Arthur Robert Siebens um alentado volume - 'A origem do código do Deuteronômio' - em que transcreve a analisa as opiniões de centenas de pesquisadores.
Conclui o douto biblista a favor da opinião de De Wette (1805) segundo a qual o registro em questão corresponderia a Deuteronômio 12 - 26.
Vem, a conclusão de De Wette e Siebens, dar razão aos antigos padres da igreja - inclusive a Jerônimo de Stridon - para os quais o dito livro da lei, correspondia mesmo ao livro do Deuteronômio.
Fundamentaram-se tais padres e eruditos justamente no significado do nome do livro "Deuteronômio", que literalmente falando corresponde a "segunda lei".
Erram tantos quantos - alegando que os hebreus costumam designam-lo doutro modo (segundo suas primeiras palavras ELLE HADDEBARIM > O SENHOR CHAMOU) - pretendem haver erro na Septuaginta. Pois segundo lemos na brochura jeovista "Toda escritura é inspirada por deus e proveitosa" ( p 35):
"Os rabis judeus chamam-no MISH-NEH HAT-TO-RAH que se traduz: repetição ou duplicata da Lei. Muitas vezes, referem-se a ele simplesmente por Mish-neh ou repetição."
"Os rabis judeus chamam-no MISH-NEH HAT-TO-RAH que se traduz: repetição ou duplicata da Lei. Muitas vezes, referem-se a ele simplesmente por Mish-neh ou repetição."
Eis porque este nome deve corresponder a alguma tradição corrente entre os judeus, tradição que vinculava esta parte da lei, ao rolo descoberto no tempo de Josias.
Atualmente - ao menos para as pessoas civilizadas e instruidas - a identificação do registro 'achado' no tempo de Josias e ao menos alguma porção do Deuteronômio é ponto pacífico ou seja coisa que não se discute.
Somente a ralé fundamentalista, por vezo dogmático, continua atribuindo a autoria do Dt a Moisés...
"Os paralelos entre o conteúdo do Dt e as ideias enunciadas no relado bíblico concernente ao achamento do 'livro da lei' sugerem tratar-se do mesmo documento.
O Dt é o único registro do Pentateuco a conter 'palavra de aliança' contraída entre o povo e javé (29,9)
É igualmente o único livro que proibe o oferecimento de sacrifícios 'Fora do lugar que o Senhor escolherá' (12,5)
O único que descreve o sacrifício da Páscoa num santuário nacional (16,1 sgs).......
É o Dt muito semelhante aos tratados de vassalagem redigidos pelos assírios durante o século sétimo a C , os quais estabeleciam os direitos de os deveres dos povos subjugados para com seu soberano (aqui pintado como javé)
Segundo Moshe Weinfeld existem paralelos até mesmo com a literatura grega corrente no tempo."
in Finkelstein/Silberman p 378
"Os paralelos entre o conteúdo do Dt e as ideias enunciadas no relado bíblico concernente ao achamento do 'livro da lei' sugerem tratar-se do mesmo documento.
O Dt é o único registro do Pentateuco a conter 'palavra de aliança' contraída entre o povo e javé (29,9)
É igualmente o único livro que proibe o oferecimento de sacrifícios 'Fora do lugar que o Senhor escolherá' (12,5)
O único que descreve o sacrifício da Páscoa num santuário nacional (16,1 sgs).......
É o Dt muito semelhante aos tratados de vassalagem redigidos pelos assírios durante o século sétimo a C , os quais estabeleciam os direitos de os deveres dos povos subjugados para com seu soberano (aqui pintado como javé)
Segundo Moshe Weinfeld existem paralelos até mesmo com a literatura grega corrente no tempo."
in Finkelstein/Silberman p 378
III) O piedoso logro da perda e do encontro de parte da lei...
Agora considerai:
Segundo creem os fundamentalistas o Dt teria sido composto por Moisés no décimo quinto século a C - embora outros situem o legislador hebreu no décimo terceiro século a C - enquanto Salomão - personagem que segundo as escrituras teria construído o primeiro templo - teria reinado quatrocentos e oitenta anos depois.
Admitido tal testemunho somos obrigados a concluir que a existência do Dt fora conhecida pelos sacerdotes e levitas durante no mínimo cinco séculos ou meio milênio, tempo mais do que suficiente para um corpo clerical não muito vasto familiarizar-se com ele a ponto de memoriza-lo inclusive.
Pois se algum exemplar foi posto no templo quando edificado - em tese cerca de 960 a C - ou mesmo quando fora 'restaurado' (na verdade construido) por Joas - cerca de 820 - é porque fora conhecido até então e perdido 'a posteriori'...
- IV ) Manobra sacerdotal ou auto engano???
Mesmo o Padre Ricciotti (Storia di Israeli) admite que para ter permanecido supinamente ignorado por todos, deve o dito livro ter sido editado por Ezequias, bisavô de Josias e destruído por Manassés, com exceção é claro do dito exemplar encontrado décadas depois.
O que não se compreender aqui é justamente o que o douto padre quer dizer com editado ou publicado, termos que não fazem muito sentido a respeito do século VIII a C...
Pois se editar significa copiar não atinamos porque este registro tenha sido copiado posteriormente e 'in separata' a ponto de perder-se sozinho. Ou que não circulassem versões suas - e de toda lei - em torno dos demais santuários, entre os demais sacerdotes e levitas, especialmente entre os do Norte.
Por outro lado se tomamos publicar ou editar por escrever, compor ou falsificar não é de todo impossível que esta pseudo epígrafe atribuida a Moisés tivesse sido de fato escrita sob Ezequias ou mesmo algum tempo antes e escondida em algum compartimento do templo por algum piedoso sacerdote.
Neste caso o próprio Hilkias, bem como Safã teriam sido vítimas de um logro ou antes feito uso de um logro que correspondia exatamente a suas expectativas e esperanças.
Acreditaram pois no que desejavam crer atribuindo uma idade bem mais antiga ao papiro fazendo-o remontar a David e Salomão.
Falando francamente "É impossível saber se as antigas versões da história de Israel foram escritas na época de Ezequias, por facções dissidentes sob Manassés ou se foram inteiramente compostas durante o reinado de Josias..." 382
Admitida a primeira hipótese, que é a mais provável, os escribas do tempo de Josias, teriam antes de tudo corrigido e 'colorido' tais versões tendo em vista a pessoa e os objetivos do rei...
V) As dificuldades insuperáveis da narrativa bíblica.
Com efeito, admitidos os dados apresentados pela escritura temos diante de nós um górdio para o qual não há espada capaz de cortar, afinal como um livro que conseguirá sobreviver - juntamente com os demais componentes do pentateuco - aos quarenta anos de travessia pelo deserto, mais dois séculos de combates e enfrentamentos com os cananeus e enfim outros tantos séculos de domínio filisteu (o que envolve massacres, incendios, demolições, etc) teria se perdido justamente durante o período mais estável ou seja a monarquia???
Que parte do pentateuco houvesse desaparecido sem deixar noticias durante aquele período primitivo em que o templo era uma tenda conduzida de um lugar para o outro e a tradição legada a esfera da oralidade compreende-se...
Agora que tenha superado todas estas vicissitudes para desaparecer sem deixar vestígios após a construção do grande santuário judaíta e a organização efetiva do clero, é um absurdo que salta a vista...
Por outro lado se o pentateuco formava uma unidade porque apenas o Dt teria se perdido?
Acaso não foi a Torá em sua totalidade depositada e guardada nos arquivos do templo, quiça registrada num único rôlo???
Teriam os sacerdotes dividido a obra de Moisés em cinco livros numa época assim tão remota e em seguida executado diversas cópias de Gn, Ex, Lv e Nm e apenas uma de Dt?
Supondo que no tempo de David, Salomão, Joas ou Ezequias as memórias e escritos de Moisés - admitindo sua existência - fossem encaradas como uma espécie de relíquia ou de tesouro nacional fica muito díficil acreditar que alguma parte delas tenha se extraviado sem que alguém desse por falta.
Sabendo quanto os sacerdotes e escribas hebreus eram escrupulosos no que diz respeito a conservação, transcrição e até mesmo a destruição dos registros avariados pelo tempo custa muito crer que tal corporação tenha permitido que parte da obra de Moisés pura e simplesmente evaporasse.
"Caso existisse de fato como poderia ter se perdido simultaneamente no Sul e no Norte, porque certamente haviam cópias da 'Santa palavra' nos princípais santuários do Reino do Norte como Silo e Ramá ou mesmo Dan e Betel." in Cyro Moraes de Campos - 1961
VI) Desfazendo o mistério com o auxílio do profeta Jeremias.
Só nos resta abandonar a mitologia e admitir a realidade dos fatos segundo os quais, o clero hierosolimitano - visando estabelecer um regime teocrático centralizado em Jerusalém - compuseram não só o Dt, como os registros Deuteronomistas de modo geral, inspirando-se no anúncio profético.
Hilkias e seu grupo forjaram a descoberta deste e de outras tantas 'relíquias históricas' com o intuito de granjear o apoio do piedoso Josias, o que efetivamente aconteceu...
Esta hipótese parece-me bem mais realista do que a de um possível auto engano por encontrar eco em certas palavras do profeta Jeremias:
"Como ousais dizer: Somos doutores e proprietários da lei de Javé? NA VERDADE VOSSA LEI FOI FORJADA PELO CÁLAMO MENTIROSO DOS ESCRIBAS. Assim os doutores foram envergonhados, triturados e apanhados em sua própria armadilha." Jer 8,8 sg
Estava pois o grande profeta muito bem informado a respeito da manobra clerical. E embora até concorda-se com os sentimentos de fé que inspiravam-na, discordava a respeito dos meios a serem empregados, denunciando todas as falsificações do tempo como ímpias.
Destarte, não podendo o sacerdote e o ministro contar com o apoio do Santo profeta, valeram-se dos préstimos oferecidos por uma fanática chamada Hulda.
Segundo o costume de um tempo atrasado, em que inexistia qualquer tipo de aparato crítico.
Assim foi fácil para eles encontrar alguns videntes ou profetas que confirmassem - em nome de javé - a 'descoberta ' e consequente autenticidade do dito rôlo, que por sinal estava de pleno acordo com a maneira segundo a qual tais profetas encaravam a História e com suas esperanças para o futuro.
Neste caso, postular a falsidade do rolo, equivaleria a postular a falsidade de suas próprias ideias e esperanças religiosas. Restava apenas uma opção: havendo convergência entre o conteúdo do registro e a consciência espiritual do tempo - que deveria corresponder a consciência espiritual do próprio Moisés e de todos os antepassados fiéis - era necessário corroborar sua legitimidade... assim foi feito.
Desde então passou o livro a ser tradicionalmente atribuido a Moisés... e por mais de dois mil anos todos disseram amém.
VII) Conclusão
Posteriormente - quando foi constituido um aparato crítico-científico - a verdade veio novamente a luz ficando suficientemente demonstrado que a autoria do Dt não cabe ao mítico legislador, Moisés mas aos sacerdotes de jerusalem, cujo objetivo era elevar o templo as alturas, eliminar todos os vestígios ainda existentes do antigo culto patriarcal e dominar politicamente as terras outrora ocupadas pelo próspero reino do Norte.
Daí o seu estilo por assim dizer: sêco, vazio, rigorista, intolerante... tal e qual a alma seca, vazia, rigorista e intolerante dos sacerdotes que o compuseram em meio as montanhas e as areias do deserto.
"O grande sacerdote Hilkias tornou-se onipotente, os cultos cananeus foram abolidos, e para firmar os espíritos nesta direção, fizeram-se achados de livros sagrados no templo, para modificar as leis segundo a nova situação, e retocaram-se os velhos escritos sob o ponto de vista do jeovismo.
O livro hipocritamente achado no templo por Hilkias e Safã, é o Deuteronomio, fabricado na hipotese de que Moisés o redigira no fim da vida, explicando e alargando a sua lei.
Fez-se uma grande festa de consagração por tamanho achado, e o livro foi publicamente lido no templo; era facil de enganar uma criança de dezoito anos, e Josias deu a sua sanção real ao estupendo achado.
Este fervor religioso produziu uma grande atividade literária, em que entram parabolas, Salmos, provérbios, atribuidos a época de Salomão e ao próprio monarca, mas cujo espírito rabinico é inconciliavel com essa época de tolerância e liberdade de pensamento..." Teóphilo Braga, iden, p 229
Apesar disto o Dt não esta isento de aspectos positivos:
"Uma profunda modificação se mainfesta também na matéria de sentir. UM ESPÍRITO DE DOÇURA, UM SENTIMENTO DELICADO DE COMPAIXÃO PELO FRACO, O AMOR DO POBRE E DO OPRIMIDO, COM CAMBIANTES DESCONHECIDOS NA ANTIGUIDADE, SE MANIFESTAM EM TUDO. A PROFECIA DE JEREMIAS E O DEUTERONÔMIO, SÃO JÁ, SOB ESTE ASPECTO, LIVROS CRISTÃO. O AMOR E A CARIDADE NASCIAM NO MUNDO." iden, id
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